O mundo descolorido das crianças
POR Paula Saretta*
Talvez os pais não tenham se dado conta, mas a antecipação do início do ensino fundamental e a diminuição de um ano na educação infantil foi uma mudança radical no que se refere ao atendimento de crianças nas escolas brasileiras.
Para quem não se lembra exatamente onde tudo começou, vamos rememorar: a lei 11.274 de Fevereiro de 2006, ampliou a duração da escolaridade obrigatória de oito para nove anos no sistema educacional brasileiro. A inclusão das crianças de 6 anos de idade no ensino fundamental começou a ocorrer desde então e as escolas tiveram até o ano de 2010, para realizar as adequações necessárias.
Como a nossa intenção principal no blog é refletirmos juntos sobre as diferentes questões que cercam o universo infantil, vamos começar falando das questões políticas que parecem estar por trás desta mudança. Importantes de serem analisadas e importantes de serem questionadas…
O principal argumento do Ministério da Educação (MEC) que justificou tal ação, sugere que as crianças de 6 anos, principalmente as de baixa renda, agora, com a nova lei, têm sua educação assegurada. No entanto, desde 1988, a Constituição Federal, em seu art. 208, já afirmava que é dever do Estado e direito das crianças e das famílias a matrícula na educação formal desde o nascimento. Este, portanto, não parece um argumento convincente. A argumentação também passou pela questão das vagas, que seriam insuficientes na educação infantil, principalmente para as crianças de baixa renda. Mas, se o governo reconhece que não há vagas suficientes para estas crianças, por que a opção por ampliar o ensino fundamental, ao invés de auxiliar os municípios para aumentarem as vagas na própria educação infantil? Bom…
Vocês já ouviram falar do FUNDEF (Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e Valorização do Magistério), criado em 1998? Este fundo valoriza o ensino fundamental, estabelecendo um sistema de retribuição financeira pelo número de crianças matriculadas nesta etapa de ensino em cada rede pública. Olhando pelos benefícios do FUNDEF, vocês concordam com a ideia de que a criação do fundo acabou, então, incentivando a aceleração da municipalização do ensino fundamental e, inclusive, o aumento de alunos por sala?
Questões que inquietam, que nos fazem pensar…
Agora vamos olhar para as nossas crianças, aquelas mesmas, que hoje são obrigadas a começar a frequentar o ensino fundamental aos 6 anos, sabe? Na época da transição (em 2006-2007), trabalhava numa rede de ensino municipal que só tinha uma escola de ensino fundamental e 37 de educação infantil. Como fazer, então? Como transferir as crianças, assim, na pressa, com ações pouco planejadas, pouco refletidas? Vi cenas inesquecíveis, como, por exemplo, as crianças pequenas de joelhos em suas cadeiras para conseguir enxergar a lousa, porque nem os professores, nem as crianças, nem os pais, nem a escola tinham condições de assumir, daquele jeito, tamanha mudança.
Também coisas surpreendentes… Crianças orgulhosas com a mudança: “vamos pra 1a série já!” e de uma delas, eu ouvi: “não somos mais crianças, né?” Minha vontade era dizer para cada uma, milhões de vezes seguidas, “lógico que vocês continuam sendo crianças. Tudo vai ser igual, vocês estão no último ano da educação infantil ainda, só que mudou o nome…”
Mas, não era verdade! Não estava nada igual… Nem os professores, com seus discursos na ponta da língua de como eles cresceram e, por isso, precisavam se concentrar e prestar mais atenção… Nem a escola (para aqueles que mudaram), nem os volumes de livros para cada matéria que muitas escolas assumiram e muito menos o tempo de brincar e de se movimentar…
A verdade era simples e em algumas realidades continua sendo assim: na educação infantil o brincar, entendido como promotor do desenvolvimento global das crianças, aparecia em primeiro plano, já no ensino fundamental (inclusive no 1o ano) acontecia o oposto, o brincar vai sendo deixado de lado, cada vez mais, em detrimento de atividades que priorizam a leitura e a escrita nas crianças.
É fácil, assim, imaginar as inúmeras implicações desastrosas que perder, literalmente, um ano de um ensino pensado nas especificidades da infância pode ter como consequências. Uma delas é que estamos correndo o risco de começar mais cedo o temeroso “fracasso escolar”. Aliás, algumas pesquisas já apontam dados nesta direção[1].
Parece-nos, contudo, que o ensino de 9 anos acabou por evidenciar uma realidade que há muito tempo preocupa todos os envolvidos com a educação básica: o hiato existente entre a educação infantil e o ensino fundamental.
Preocupações antigas, que hoje fazem parte de um novo cenário… Cenário que inquieta, que preocupa… De uma das crianças de 6 anos, eu ouvi algo que me marcou muito e que entendo como extremamente simbólico para o que estamos falando aqui: “na 1a série não precisa levar lápis de cor, só lápis preto e borracha…” Fiquei muito mexida com a declaração daquela garotinha… Que pena que ela pensa assim, pensei.
Diante de tudo isso, o que podemos fazer? Muitas coisas! Mas talvez o emergencial, agora, seja trabalhar, trabalhar, trabalhar…. Para que ela e as outras crianças saibam, mesmo na vida adulta, que a melhor forma de pintar o mundo é com lápis de cor bem colorido, numa mistura que pode ser bela e surpreende.
[1] Ver, por exemplo, Arelato, L.R.G., Jacomini, M.A. e Klein, S.B.. O ensino fundamental de nove anos e o direito à educação. Educação e Pesquisa, São Paulo, v.37, n.1, 220p. 35-51, jan./abr. 2011.
* Paula Saretta é psicóloga. Doutora em Educação pela Unicamp. Mestre em Psicologia Escolar pela PUC-Campinas. Aperfeiçoada em Queixa Escolar pela USP. Formadora de professores e Consultora em Psicologia e Educação. Fundadora do site/blog Ouvindo Crianças.
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