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O que você quer ser quando crescer?

22 abril, 2013, Paula Saretta Momento Psicóloga 0


O que você quer ser quando crescer?

Por Paula Saretta (Ouvindo Crianças) e Roberta Belo*

 Para o futuro

(Cecília Meireles em “Crianças meu amor…”[1] p.28)

Quando vocês forem grandes…

E a professora perguntou o que nós queríamos ser.

Osvaldo,  o menorzinho da classe, respondeu que estudaria medicina, para ser um doutor de óculos e barbas, como o seu papai. E salvaria todos os doentes…

Adosinha, que é uma pobre menina, ficaria contente se, depois de moça, pudesse coser bem, como a irmã de Elisa, a qual faz vestidos tão lindos!

Elisa queria ser pianista.

Antônio, um pretinho muito engraçado, queria ser cocheiro, para levar um carro numa disparada assustadora por aí afora!

–       E tu, meu amor, que disseste tu?

–       Eu…disse que queria ser poeta!

–       Poeta!…E que te disse a professora?

–       Que nós poderíamos ser o que fôssemos, mas que devíamos, todos, ser homens de bem.

 

Iniciamos com a poesia de Cecília Meireles (1901-1964), escrita há mais de 60 anos, para falar do porvir, do futuro, dos sonhos infantis…

Crianças, quando saudáveis emocionalmente, têm lindos sonhos de futuro… Sonhos que são alimentados por adultos igualmente saudáveis e que, diante de uma simples resposta sobre “o que você quer ser quando crescer?”, ficam derretidos de amor e orgulho não só pela graça nas respostas inusitadas, mas também por perceberem o quanto eles já têm suas próprias opiniões e desejos.

Fizemos exatamente esta pergunta (“o que você quer ser quando crescer?”) para 25 alunos de uma sala de aula de 2º ano do Ensino Fundamental (crianças de 7 anos) e as respostas foram desde “quero ser professor” (14 deles!), seguido de “quero ser policial” (7), até crianças que queriam ser veterinários (5), só 2 queriam ser jogadores de futebol e mais 2 que disseram que serão médicos… Um deles sonha em ser piloto de formula I e o outro em ser mecânico, como seu pai.

Mas aqui, vocês já devem ter percebido, não falaremos de futuros profissionais e, sim, de uma outra importante questão de base, a educação moral. Por isso, perguntamos a mesma coisa para crianças de 4 anos, que estão ainda mais distantes do seu futuro profissional…

Das 15 crianças que responderam, rindo e felizes a nossa pergunta, começamos com 5 que, na sequência, logo disseram que queriam ser professores. Depois vieram os 2 “futuros” médicos e um que sonha ser motorista. Até aí, tudo bem… Mas daí as respostas mais inusitadas começaram a aparecer:

–       “eu quero ser grandão!” – disse o menorzinho da sala.

–       “eu quero ser super herói…. – disse outro.

–       “eu quero ser o homem aranha” – na sequência outro responde.

–       “eu quero ser papai…” – responde um deles, depois de pensar um pouco.

–       “eu quero ser trabalhador…” – responde, convicto, um deles.

–       “eu quero ser boneca…” – uma das meninas respondeu.

E faltava uma das crianças ainda… Parecia pensar na resposta, aí quando perguntamos novamente, logo disse: “eu quero ser escuro….”. Escuro? Todos riram.

Existe, todos sabemos, um discurso moral, baseado em princípios e valores que são considerados universais, como, por exemplo, respeitar o outro, reconhecendo sua igualdade de direitos e deveres. Princípios que são fundamentais para a convivência social.

Mas como nos tornamos “homens de bem”, como sugere Cecília Meireles? Podemos resumir dizendo que é convivendo, vivenciando, estando num ambiente moralmente “adequado”… Em outras palavras: o discurso apenas não adianta nada! A aprendizagem, portanto, de princípios de justiça e solidariedade, se dá, principalmente, pelo exemplo. Existem, portanto, comportamentos socialmente desejáveis que devem pautar nossos olhares e atitudes cotidianamente.

Até aí todos concordam. Mas, vamos além um pouco… Se muitos sabem o que fazer, por que, então, alguns seguem valores morais socialmente desejáveis e outros não? Vamos pensar num exemplo de um fato recente: por que existem pessoas que ajudam o outro em situação de necessidade, como num atropelamento, por exemplo, mesmo que ninguém esteja olhando? Sabendo que, depois, ele possa ser prejudicado ou até preso? E outros, que, ao contrário, pensam imediatamente após a ação em como escapar ileso, sem que ninguém perceba? Como o triste caso de um estudante de Psicologia que atropelou um ciclista em São Paulo e não só não o ajudou, como pretendeu se livrar do membro decepado em função do acidente, num córrego.

Especialistas em Psicologia Moral[2] dizem que o sentimento de bem-estar que é promovido logo após a ação, é o que nos faz agir corretamente (do ponto de vista moral) ou não. Explicando melhor, o conhecimento do que deve ser feito, passa apenas por um nível de compreensão cognitiva (nível do pensamento), mas só gera um valor quando é associado à algum sentimento, quando é revestido de afetividade. Exemplificando: quando você faz o que considera certo, não fica com uma sensação de “dever cumprido”, uma sensação de bem-estar imenso? Então…

Imaginem crianças pequenas, que estão chegando num mundo já organizado com regras e modos de se comportar já legitimados pela cultura em que estão inseridas, como fazer para ensinar e inculcar valores morais tão imprescindíveis para a convivência humana?

Mais uma vez, repetimos: é preciso ensinar, sim, mas com exemplos e conversando sobre as consequências (morais) de seus atos. Como você se sente quando faz mal a alguém? Qual a consequência social de ser alguém assim? Se errou, como corrigir? Como agir de modo a não prejudicar o outro?

Não estamos falando de disciplinas, punições, seguir regras sem compreensão, pensar (sozinho) num canto sobre o que fez! Não! Defendemos o diálogo, a aprendizagem na (con)vivência de situações imprevisíveis e o reconhecimento dos sentimentos que estão por trás das atitudes. Ouvir os argumentos das crianças, compreender o que ela pensou para agir de um certo modo e não de outro, abrir espaço para isso, pensar em alternativas para corrigir o que foi feito… Mostrando, assim, as consequências de suas ações, à luz dos princípios de justiça e respeito.

Com o tempo, aqueles mesmos meninos que queriam ser professores, médicos, motoristas, mecânicos, bonecas ou super heróis, se tornarão pessoas responsáveis e eticamente capazes de serem o que quiserem ser! Formar “homens de bem”, desde os tempos de Cecília Meireles, sempre foi e sempre será a meta da educação na infância (da escola e da família).  

Por isso, nas próximas vezes que você perguntar às crianças “o que você quer ser quando crescer?” e eles responderem algo que não é bem o que idealizamos para seu futuro… Antes de reagir com descrédito ou desencorajamento, dizendo: “você quer ser jogador de futebol? Ah! Pelo amor de Deus!” ou algo do tipo… Pensem, antes, em quem queremos formar. Porque, muito anterior a formar médicos, psicólogos, engenheiros, arquitetos, veterinários, etc., temos, isso sim, que formar pessoas. Pessoas moralmente boas. Pessoas de bem.


[1] Cecília Meireles – “Crianças meu amor…” Ilustrações Cecilia Esteves. Global Editora, 2013.

[2] Ver, por exemplo, publicações e vídeos da professora da Unicamp, coordenadora do GEPEM (Grupo de Estudos e Pesquisas em Educação Moral), Telma Pileggi Vinha.

* Roberta Belo é professora da rede municipal de ensino de Atibaia (SP). Especialista em Educação Infantil. Apaixonada pela profissão e por projetos na escola. Junto com mais 4 professoras, criaram um blog para compartilhar seus trabalhos cotidianos: http://www.amoprojetos.blogspot.com.br/

* Paula Saretta é psicóloga. Doutora em Educação pela Unicamp. Mestre em Psicologia Escolar pela PUC-Campinas. Aperfeiçoada em Queixa Escolar pela USP. Formadora de professores e Consultora em Psicologia e Educação. Fundadora do site/blog Ouvindo Crianças.