Momento Psicóloga

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Meu mundo cor-de-rosa

27 fevereiro, 2013, Paula Saretta Momento Psicóloga 5


Meu mundo cor-de-rosa

POR Paula Saretta*

Há uns dois meses, logo que o site foi lançado, recebi um e-mail de uma mãe muito angustiada por conta do que ela chamou de “problemas de identidade” do filho, hoje com 6 anos.

Ela descreve, em uma mensagem comovente e sensível, alguns dos comportamentos de seu filho, desde muito pequeno, em relação à sua noção de gênero. Basicamente, desde que nasceu, se reconhece mais vezes como uma menina, do que com um menino. Ela diz que no começo entendia só como um erro de pronuncia e achava até engraçado quando ele gostava de usar as suas roupas ou acessórios. Mas, chegou um certo momento que ele queria usar roupas de mulheres para ir à escola, por exemplo. Situação que ela nunca permitiu e que tentava disfarçar diante das outras mães e pais. A mãe não contou detalhes, mas disse que praticamente cria o filho sozinha, já que seu marido está sempre viajando a trabalho. Quando perguntei o que ele (o marido) achava da situação, ela disse: “ele tem vergonha do filho, eu acho. Trata ele bem, mas dá pra perceber que ele não interage muito com ele, é como se tivesse preconceito, não sei.”

Fiquei muito mobilizada com tudo que conversamos e, principalmente, por perceber o grande sofrimento que todos estavam passando. Num primeiro momento, tentei somente acolher sua dor e até cheguei a justificar que não era especialista no assunto, que não tinha muitos dados científicos, que também achava um tema delicado e complexo, etc… Também falei um pouco do que penso sobre desenvolvimento da sexualidade, escrevi um texto para ela parecido com o que divulgamos aqui esta semana. O principal aspecto que argumentei foi a ideia de que não dava para encarar a questão da sexualidade enfatizando exclusivamente o aspecto biológico, porque se fosse simples assim, existiria uma fusão entre os conceitos de sexualidade e de gênero. Ou seja, quem nasce com órgãos sexuais masculinos, pertencem ao gênero masculino e deveriam se comportar socialmente como homens.

Mas qual o comportamento desejado e esperado para os homens? Sempre foi o mesmo desde o século passado? Isso tudo não é construído e determinado histórica e culturalmente? Então… Seguindo esta linha de pensamento, a defesa é de que as crianças vão se descobrindo meninos ou meninas quando são pequenas, por meio, por exemplo, das brincadeiras e dos demais contatos sociais. Neste ponto de vista, existe uma construção, ao longo de toda a vida, do que é de fato pertencer ao gênero feminino e masculino e do que é esperado e desejado por cada um de nós, que vai muito além do corpo biológico.

No entanto, apesar de agradecer o texto que enviei e as minhas explicações, a mãe perguntou: “mas e aí? Você acha que eu devo deixar ele sair como se fosse uma menina?”. Demorei uns dias para responder a pergunta dela por alguns motivos: primeiro porque não me sentia segura para dar uma orientação do que ela deve ou não fazer sem ao menos conhecer a criança. Segundo porque, mesmo que os conhecesse, realmente não tinha e não tenho respostas prontas para um dilema delicado, extremamente pessoal, no sentido de saber o quanto aquela mãe e aquele filho aguentariam ou suportariam a pressão social e os olhares enviesados. Não posso e não acho prudente dizer em nome do outro, o quanto ele consegue ou deveria conseguir tolerar algo, do ponto de vista emocional.

Então, neste caso, o que posso fazer e foi o que fiz, é convidá-la a pensar sobre tudo isso, tentando, ao máximo, esquivar-se dos preconceitos e de tudo que é cruelmente criado na nossa sociedade para quem se comporta de modo diferente do que é estabelecido como padrão. 

Uma das indicações que fiz a ela, foi de um filme maravilhoso, chamado “Minha vida em Cor de Rosa” (Ma Vie En Rose, 1997, do diretor Alain Berliner). Relata a história de um garotinho, o Ludovic , de 7 anos, que deseja ser uma menina para se casar com seu melhor amigo, Jerome. O filme retrata de modo sensível todo o preconceito que ele sofre, por parte de sua família, dos amigos da escola e de todos os vizinhos. A relação da mãe com a construção de sua identidade de gênero é um ponto importante do filme, pois ela o repreende diversas vezes e demonstra uma enorme preocupação com o que está acontecendo com seu filho. Ludovic se reconhece como um menino-menina e chega a dizer que acha que seu cromossomo foi trocado por Deus. A grande lição do filme é que ele [Ludovic] não deseja mudar, mas sim ser amado e respeitado pelo que ele sente. A imagem de abertura deste texto é de uma das cenas do filme.

Outra indicação é de uma artigo muito interessante e rico de histórias de pais que vivem exatamente a mesma situação que ela, foi publicado no “The New York Times”, em Agosto de 2012, intitulado “What’s so bad about a boy who wants to wear a dress?” (O que há de tão ruím em um menino querer usar um vestido?). Com ricos detalhes de dilemas do cotidiano de mães e pais acerca de como lidar com as questões de identidade de gênero de seus filhos, o artigo relata a dificuldade em encontrar respostas mais acertadas, além da escassez de pesquisas científicas que possam subsidiar, inclusive os profissionais de saúde, para todos falarem a mesma língua. É relatado no artigo, situações de pais que procuraram psicólogos, por exemplo, para uma terapia de reversão, ou seja, para “convencer” seus filhos de que o que eles estão sentindo “está errado”. O texto afirma que são poucos os estudos e mesmo os que existem possuem sérias limitações metodológicas, que procuram acompanhar as crianças para saber como manifestam sua sexualidade na vida adulta. Segundo o artigo, estima-se que pouco mais da metade dos meninos-rosa (como eles chamam) manifestam preferências homossexuais. O ponto consensual de todos os pais e especialistas ouvidos, é que ao invés de ensinar a criança a se conformar com o que a sociedade impõem, é incentivado a ensiná-las a responder a intolerância e compreender seus sentimentos.

No Brasil, o Conselho Federal de Psicologia tem dito claramente que não há nenhuma permissão para que profissionais psicólogos façam uso de técnicas de “terapia de reversão”, o que pode ser visto em recentes entrevistas da atual presidente do Conselho Regional de Psicologia de São Paulo, Carla Biancha Angelucci e do Conselheiro Luis Fernando de Oliveira Saraiva sobre o tema.

Talvez a mãe que desencadeou toda esta reflexão, esperasse uma resposta pronta e rápida da minha parte, mas certamente a ajudei muito mais indicando leituras, filmes, vídeos e deixando com que ela chegasse a seus próprios pensamentos e reflexões. Tanto é verdade, que uns dias atrás, ela voltou a me escrever, dizendo: “estudei tudo! Assiste ao filme que você me indicou, li o artigo do New York Times com ajuda do google tradutor (rs), li seu texto… Agora acho que aprendi bastante e estou mais confiante, eu acho. Tentei falar com o pai dele, mas vi que não vai ser fácil… Não sei como agradecer por você ter me ouvido e me fazer perceber que tenho um tesouro dentro de casa! Um menino educado, respeitoso e que a única coisa que ele quer de mim e do pai é ser amado como ele é, pelo que ele sente”.

Minha Cara, nós é que agradecemos pela sua disponibilidade de nos contar sua história e por nos reforçar o que sempre dizemos aqui: Sim! É só isso que as crianças precisam, se sentir amadas e respeitadas. Disse só?

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* Paula Saretta é psicóloga. Doutora em Educação pela Unicamp. Mestre em Psicologia Escolar pela PUC-Campinas. Aperfeiçoada em Queixa Escolar pela USP. Formadora de professores e Consultora em Psicologia e Educação. Fundadora do site/blog Ouvindo Crianças.

 

  • Aurea

    Orgulho de você, viu…

  • Natália

    Perfeito, Paulinha!

    • http://ouvindocriancas.com.br Paula Saretta

      Obrigada, querida!! bjs

  • Monique

    Adorei… Parabéns!
    Ainda espero o tema “agressividade” …
    Beijos

    • http://ouvindocriancas.com.br Paula Saretta

      Obrigada Monique!!! Prometo que agressividade será o próximo!!! bjs