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Mais uma tragédia na escola americana: poderíamos evitar?

15 dezembro, 2012, Paula Saretta Momento Psicóloga 0


Mais uma tragédia na escola americana: poderíamos evitar?

Mais uma tragédia nas escolas americanas. Estamos longe, mas sentimos a dor dos pais, das crianças, dos professores, gestores, da cidade, do país. Não dá para não sentir um aperto no peito, não dá para não pensar imediatamente nas crianças que nos são mais caras, nossos filhos, sobrinhos, etc..e lamentar, profundamente, pelas vidas interrompidas.

Como explicar tamanha tragédia? Poderíamos (enquanto sociedade) tentar evitar? Quais os possíveis sinais ou indícios de que algo não está tão bem quanto pode parecer?

Lógico que tragédias assim fogem completamente do nosso entendimento. Mas podemos fazer um esforço de pensar, brevemente e bem didaticamente, como podemos olhar para o desenvolvimento humano e tentar nos colocar (ainda que bem de longe e sem muitos elementos concretos) no lugar do atirador em questão.

Pensamos e defendemos aqui uma ideia de que nascer homem não basta para nos tornarmos humanos. [1] Ou seja, o homem é entendido como um ser histórico e cultural, que vive e vai construindo seu saber e se inserindo no mundo a partir das mediações com as pessoas e sua cultura. A partir desta perspectiva, podemos pensar que o desenvolvimento é um processo de construção social que se dá nas e através das múltiplas interações que as pessoas estabelecem entre si, desde seu nascimento, com outras pessoas e, particularmente, com aquelas com as quais ele mantém o maior vínculo: sua família e amigos.

Assim, segundo esta perspectiva, bem resumidamente, o psiquismo humano (nossas emoções, sentimentos, pensamentos, memória, atenção, vontades, inteligência e as demais funções psicológicas)  é constituído pelas relações sociais. Em outras palavras, as condições sociais (relações com pais, escola, amigos, ambiente onde mora, estuda, etc.) são fundamentais para constituir o modo como agimos e pensamos o mundo.

Didaticamente, podemos entender o desenvolvimento humano a partir de seus diferentes aspectos ou dimensões: físico-motora, cognitiva, sócio-moral e afetivo-emocional. Tudo ocorre simultaneamente, de forma global e indissociável (sem separação).

No entanto, apenas para nossa análise, vamos pensar especialmente em dois grandes aspectos: cognitivo (inteligência, memória, atenção, etc.) e afetivo-emocional (que está muito próximo do sócio-moral). No senso comum, é frequente observarmos as pessoas separarem essas duas dimensões, dizendo: “não seja tão emocional, seja mais racional” ou “mulheres são emotivas e homens são racionais”, etc.

Ou seja, ainda há uma crença presente na sociedade que desenvolvimento cognitivo (da “inteligência”, vamos dizer assim) caminha separado do desenvolvimento afetivo-emocional. Como se desse para separar emoção e razão, afeto e inteligência. Não há separação, não tem como pensá-los separadamente.

Voltemos para as crianças e as escolas. O que é mais valorizado na escola? O aprendizado formal ou as possibilidades de trocas, as brincadeiras, o respeito ao ritmo de cada criança, etc? Por que, cada vez mais, estamos exigindo das escolas que nossos filhos sejam alfabetizados o mais cedo possível? Porque só acreditamos que “a escola está fazendo alguma coisa” quando recebemos, no final do semestre, cadernos todos preenchidos com elogios em vermelho, bem grandes, feitos pela professora?

A escola é reflexo de uma sociedade que exige, dia a dia, que ensine com disciplina, rigidez, que tenha livros, todos complicados, de “ensino forte”. Para que mesmo? Ah! Para que nossos filhos sejam os melhores, os mais inteligentes, que passem em um bom vestibular e ganhem bastante dinheiro.

Vocês já se perguntaram: qual o valor que damos para o desenvolvimento afetivo-emocional, seja nas escolas ou em casa? “Chorou, mandamos parar! Gritou, vá para o quarto! Errou, é punido! Não fez no tempo certo, terá que ficar no intervalo! Está quieto? É tímido e, pelo menos, não dá trabalho!”

Uma grande e querida professora[2] me explicou, ainda na graduação, algo que nunca esqueci, ela usou uma metáfora para entendermos a relação entre afeto-cognição. Espero que ela não se incomode de dizer aqui. É o seguinte: pensem em um carro. O que interessa para que um carro ande (fora os pneus e a lataria)? O motor e o combustível, certo?

Agora imaginem que a dimensão cognitiva seria o motor e a dimensão afetiva seria o combustível. Se não colocarmos combustível em um carro, ele anda? Se o motor tiver com defeitos, o carro sairá do lugar? Então! No desenvolvimento é a mesma coisa: é necessário um bom motor (cognição) e a medida certa (nem muito, nem pouco) de combustível para que ele caminhe bem, sem problemas.

É por tudo isso que falamos aqui, algumas vezes, de um olhar atento e sensível dos pais e escola para ouvir, aproximar-se e conhecer verdadeiramente seus filhos e alunos.

Arrisco dizer: sim! Poderíamos evitar tragédias como essa. Mas isso se conseguíssemos reconhecer os sentimentos das crianças, ouvi-las, entender o que elas temem, pensam e querem. Favorecer para que cresçam em ambientes saudáveis emocionalmente, que tenham bons exemplos, sintam-se confortadas em suas dores e medos, antes de se transformarem em pessoas cruéis que não temem pela sua própria vida e muito menos pela vida do outro.


[1] A perspectiva histórico-cultural tem como principais representantes os pesquisadores russos L.S.Vygotsky (1896-1934), A.L.Leontiev (1903-1979) e A.R. Luria (1902-1977).

[2] A professora que menciono é a Ana Maria Falcão de Aragão, que hoje é docente do departamento de Psicologia Educacional da Faculdade de Educação da Unicamp. Além de ser uma das pessoas mais sábias que tenho o grande prazer de conviver.